sábado, 21 de fevereiro de 2009

Conto em resposta a um desafio da Cátia Azenha do blogue Ticho



DESAFIO LANÇADO PELA CÁTIA AZENHA, ENVIO A 15 E PUBLICAÇÃO A 16 FEVEREIRO 2009

“Era uma vez um anão que teve três filhos: o Becas, o Bicas e o Bocas. Este último era tão pequeno, tão pequeno, que casou e foi viver para um sapato nº. 32.”

“Hey!” – puxou-me violentamente pela manga do casaco e quase me derrubou da cadeira…- “Não gosto nada desses nomes! Então vais dar-nos esses nomes horríveis?!”
“Bem…” – respondi, atónita – “eu ainda só estava a ler aqui as indicações para escrever este conto, nem fui eu que sugeri os nomes…”
“Pois é! Mas vais precisar de mim para escrever esta história, certo?!” – e abria ainda mais os grandes olhos, de um castanho salpicado de verde e dourado.
“Então é assim: se queres saber a história, para a poderes contar, tens que rectificar os nossos nomes!”
“Está bem!” – respondi – “Devo confessar-te que ainda estou sem saber o que dizer… De onde surgiste?...”
Riu-se com um ar subitamente infantil – só tinha setenta e cinco anos, como vim a saber mais tarde, o que, para um GNOMO, era uma idade muito jovem ainda… Bem, regressando à história:
Riu-se e gargalhou uma resposta já bem disposta:
“Primeiro, não somos anões, somos GNOMOS! Depois, os nossos nomes têm uma grafia difícil, pois são de origem gaélica, mas, para efeitos da história, podes escrever que o nosso Pai, o respeitado Hermenegildo, actualmente com 450 anos, teve três filhos: ANTON, BERTO e CLÁUDIO, eu próprio”.
Eu não sabia bem se havia de acreditar em tudo aquilo, mas ele quase me havia derrubado da cadeira e a sua voz – não era só eu que a ouvia, pois o meu cão Lucky tinha vindo cheirar este curioso homenzinho e sentara-se junto dele, numa atitude de simpática curiosidade.
Assim sendo, rendi-me à evidência de que, se não fosse tudo um sonho, CLÁUDIO estava mesmo ali em frente, ora rindo, ora protestando, sempre com a sua engraçada fatiota colorida, o seu chapéu em bico, os seus olhares expressivos e as suas muitas sardas…
“Desculpe-me” – disse-lhe – “nunca tinha conhecido um gnomo e não sabia muito bem o que dizer. O que propões?”
“Pareces uma boa pessoa. Proponho-me vir aqui contar-te a minha história… mas agora tenho que ir.” – E oscilando as pernas, tomou balanço e pulou da cadeira, onde tinha estado empoleirado, aterrando suavemente no chão, como se o seu corpo pesasse menos do que parecia. Lucky foi atrás dele até à janela, por onde Cláudio desapareceu, voltando de seguida para junto de mim e olhando-me com os seus belos olhos de dálmata, plenos de confiança.
Quanto a Cláudio, que extraordinária aparição! Levantei-me e fui fazer um café, antes de me sentar a trabalhar. No entanto, não podia contar a história sem o auxílio de Cláudio, já não me atrevia a inventar pormenores que estivessem incorrectos. Durante umas horas nada aconteceu e eu tentei concentrar-me nas minhas tarefas – mas a minha mente regressava sempre, teimosamente, ao curioso surgimento de Cláudio e à expectativa que este criara de me transmitir uma história bem mais invulgar do que qualquer uma que eu pudesse inventar.

Quando a Lua já ia alta no céu, e o Lucky já se estendera no tapete junto à cama, deitei-me, virada para a janela como sempre gosto de fazer para ver o céu estrelado e tive um sonho curioso…

Do lado da janela, ouvi um ruído como se se tratasse de alguém a atirar pedrinhas os vidros… Levantei-me a custo, pois estava bastante cansada. O Lucky levantou uma orelha, depois abriu um olho primeiro e só depois o outro, e com um bocejo preguiçoso decidiu-se a seguir-me.
Aberta a janela, vi que Cláudio me esperava, com a cara afogueada e agitando os braços: “Vem, não temos muito tempo, pois ao nascer do Sol terás que estar de volta”.
Saí pela janela, que Cláudio fez fechar com um só gesto, apesar de estar a mais de três metros… O Lucky também saltara pela janela e estava agora colado a mim, movendo-se suavemente na noite tépida.
Metemos por um atalho que eu nunca havia notado e que aparentemente começava ao fundo do meu jardim! Que estranho! Não me recordava nada de o ver ali antes, como se as grandes árvores daquele lado se tivessem afastado um pouco, criando ali um estreito carreiro.
Cláudio foi à frente, empunhando uma lanterna para que eu visse o caminho. O Lucky nem disso precisava, com o seu faro, visão e sentidos apurados. Chegados mais adiante, entrámos numa clareira que o luar iluminava e, para meu espanto, outros gnomos ali se encontravam, à volta de uma fogueira, rindo e cantarolando!
Não sei o que mais me espantou, se a visão daquele mundo, ou a atitude naturalíssima de Lucky, como se desde sempre convivesse com aqueles pequenos seres!

Quando Cláudio nos apresentou, embora alguns franzissem os sobrolhos ou os alçassem, em ar inquisitivo, na sua maioria foram gentis, embora reservados.
A Mulher de Cláudio era uma jovem de sessenta anos chamada Iolanda. Tinha um ar muito alegre, menos sardas que ele e usava tecidos mais vistosos e coloridos. Fez-me sentar e serviu-me algo quente, parecido com chá, mas com uns aromas tão maravilhosos e misteriosos que era como se eu estivesse a tomar uma tisana de miosótis e violetas.
Ao fim de algum tempo, atrevi-me a lembrar a Cláudio que ainda não me tinha contado o resto da história. Iolanda riu-se com gosto e comentou: “Todos achámos muito engraçado quando vimos o desafio lançado on-line, para os humanos escreverem uma história com tais características!” – e a sua gargalhada era fininha e fresca como um fio de água saltitante – “Embora ficássemos horrorizados com os nomes escolhidos!”
“E a história do sapato nº.32?” – perguntei…
“Bem, há um fundo de verdade nisso” – disse um outro gnomo, aproximando-se. “Sou o Anton” – afirmou, quando viu o meu ar de curiosidade.
“Quando o Cláudio quis casar, tinha havido uma inundação na floresta e todos os cogumelos desabitados estavam em péssimo estado. Como a Iolanda e ele tivessem pressa, para aproveitarem uma lunação favorável, improvisaram um “apartamento temporário” num sapato nº.32 que tinha pertencido a uma criança… até conseguirem remodelar um cogumelo gigante que actualmente à a sua casa”.
“Uma criança?” – perguntei, curiosa.
“Sim, uma menina que há muitos anos costumava visitar-nos. Vinha brincar connosco e com os animais, as flores e as borboletas… “
O meu coração começou a bater. “Como era ela?” – perguntei, num fio de voz…
“Era uma menina com longos cabelos castanhos e olhos ternos. Era tão calma que nem parecia humana, brincava a cantar suavemente e até os animais se aproximavam para ficar junto dela.”
“Posso ver o sapatinho?”
“Claro, ficou no jardim de Cláudio e Iolanda, para que sempre se recordassem dos seus primeiros tempos…”
Iolanda servia mais chá, mas eu levantei-me e gritei: “Venho já!”

Corri até casa seguida por um Lucky espantado mas divertido com aquela noite tão movimentada e entrei pela janela. Ajoelhei-me junto à velha arca de cânfora, que rangeu quando abri a tampa… de dentro, retirei um sapatinho de criança que não tinha par.

Quando cheguei de novo à clareira, Cláudio recebeu-me em festa. Eles sempre tinham sabido quem eu era, só eu precisava de me recordar! Até quase ao nascer do Sol, cantámos e dançámos… Depois, Cláudio acompanhou-nos até à janela.

De manhã, quando acordei, junto a mim estava um sapatinho de criança. Não querendo acreditar, e pensando que tudo não teria passado de um sonho, agarrei o sapatinho azul e olhei para dentro: meio sumido, ainda se conseguia ver o número: 32!
Lucky, ainda com terra seca nas patas, ladrou alegremente.

CONTO de ISABEL, dos blogues de Isabel e José António:
http://www.flordojacaranda.blogspot.com/
http://reflexoessentidas.blogspot.com/
http://diarioestetico.blogspot.com/
http://newsletterfromlisbon.blogspot.com/

LISBOA – Escrito em 09 de Fevereiro de 2009.

3 comentários:

joao firmino disse...

Mana:

Depois e enquanto lia o teu conto, pus-me a pensar nos nossos percursos... no quotidiano de cada um... nas cercas que nos libertam e nos asfixiam... nos compromissos e nas responsabilidades que nos desviam a energia e que adiam, para um qualquer dia que há-de vir, a manifestação da nossa essência, da nossa arte, da nossa História.

Depois de ler o teu conto e saber o quanto generosamente tens adiado a manifestação daquilo que te daria muito prazer - a tua arte -, percebo agora o que está (e quem está) por detrás dessa energia que se quer manifestar.

Não sei que te dizer... tanto tempo que passamos a adiar a expressão dessa energia divina que tranportamos, em prole do trabalho com aqueles que nos rodeiam.

Mas um dia... sem esforço nem mágoa... até mesmo sem darmos conta do momento... já estamos a manifestar o nosso menino, a nossa menina, que se mantém toda a vida ligado ao Universo de gnomos, de fadas e de anjos.

Tens de escrrever mais contos, porque neles revelas ainda mais a tua essência divina.

Beijinhos do mano,

João

Isabel José António disse...

Querido Mano João,

Que GRANDE ALEGRIA me dão as tuas palavras! Grande xi coração, e significam bem mais as palavras por virem de ti, grende escritor e poeta!

Isabel

Isabel José António disse...

Querida Isabel,

É pura magia este teu conto. Nem se sabe o que mais apreciar, se a história em si, se o desfechos, se a construção e narrativa do mesmo.

Quem, se não tu, para inventar um conto assim?...

Mil beijos

José António